Queimando, ardendo de febre
a cidade se deixa, vencida,
crua com seus filhos, com suas
infinitas epopeias, comédias,
tragédias, novelas, novelas.
Toda gente é comum,
a cidade se espraia por todo o
perímetro interminável de um
sonho, de um pesadelo, de um
silêncio da consciência, tudo o
que diz a parafernália de
carruagens de fogo do
guerreiro destemido
desbravador de praias, de
montes, de rios, a cidade
fundada sobre camadas e
camadas de qualquer coisa
de insondável, o lençol de águas,
de magmas, o corolário de rochas,
de areia, de terra preta de índio,
cacos de outro mundo que foi-se,
foi-se a cabeça voando
pros quintos, e eis o corpo tão
denso, mestiço, bela morena,
morena bela, sambando
sambando,.nova razão, eis
a nova razão que se cumpre:
um fantasma se agita, a cidade
prefigura o destino como
toda humanidade a se ver,
enfim, no espelho de sereia
dessa velha encarnação
do poema: cidade-fêmea.
Assoalho de madeira que range
sob os pés de tantos e tantas,
e tantos e tantas, e tantos.
Luz, a cidade clama por
luz, e a recebe como um
artefato de carnaval, um
auto de fé: tremeluz a cidade
se rende ao fato de que toda
energia se dissipa: não haverá
homens e mulheres como nós,
mas haverá muitos mais do
que nós. Haverá festas
e funerais. Ninguém, no entanto,
poderá dizer ao longo
do tempo que tenhamos errado
por amá-la de tal forma: à cidade
dormindo acordada, corpo sutil
estendido na areia, lambido
por todas as ondas e todos
os ventos e tudo: a natureza
revolta do seu corpo quente
como febre que arde, arde em fé
e em vigília, e não passa.